sábado, 7 de fevereiro de 2015

                                           O VISITANTE INOPORTUNO

   Aquele era um dos verão mais quente que eu já tinha passado, as folhas dos arbustos estavam murchas pelo sol escaldantes. Já fazia mais de uma hora que estávamos escondidos naquela moita de arbusto, os mosquitos já tinha chupado todo o meu sangue, olhei para a minha perna, lá estava um vermelho com meu pobre sangue, mirei minha mão, porém a segurei no ar com o olhar de reprovação do meu pai.
­ — Não faça barulho, posso ouvir o barulho de um chegando. Como podia ouvir alguma coisa com o barulho da floresta, o vento começava ficar mais forte, indicando que haveria temporal se aproximando, os passarinhos estavam agitados com suas cantorias, os galhos das árvores, chocavam violentamente um contra o outro. Minha perna já estava amortecida, pois estava de joelho todo aquele tempo, meu estava na minha frente na mesma posição, segurando a lança, se é que podia chamar assim aquilo, era uma vara torta, com uma lasca de pedra amarada com cipó. Era tempos difíceis, o rei tinha mandado os senhores recolher todo os metais aos redores, em tempo de guerra, qualquer pedaço de metal podia virar uma arma para o exército.
 — Esta vendo aquela trilha? É ali que ele vai passar, vou dar a volta por aquelas árvores, quando o avistar, pule na sua frente, eu o surpreenderei por traz.
  Eu somente o olhei, porém na minha mente já me via correndo com ele atrás de mim, tinha naquela época dez anos, contudo como toda criança do meu tempo, em virtude da fome que assolava, era bem raquítica, mal tinha força para erguer minhas pernas ao caminhar, quanto mais se fosse necessário correr.
  Meu pai se arrastou pelo chão entre os arbustos, olhei ao meu redor e notei que estava agora sozinho, o meu pai com sua poderosa lança, era minha segurança. Procurei algo que poderia usar para me defender se necessário, olhei para o chão, havia um pedaço de um galho seco, o segurei pensando que muito bem poderia ser uma espada, como as que os cavaleiros o rei carregavam embainhadas em suas armaduras brilhantes.
  Foi muito rápido, de repente ouvi barulho de pisada no meio do mato seco e arbustos balançando. O meu coração disparou, as minhas pernas que já estavam imóveis, agora parecia colada no chão. A minha missão era pular na sua frente para o assustar e assim meu pai pega-lo par traz com sua lança. Com o calor, o suor corria em minha testa, ou era pela tensão que meu corpo passava, fiz a besteira de passar a mão, encharcando os meus olhos, por um momento tudo ficou embaraçado, porém ainda consegui ver o vulto do meu alvo saindo do meio dos arbustos, então pulei na clareira, feita pala passagem constante deles.
   Naqueles tempos difíceis que o mundo estava passando, até mesmo os animais da floresta estavam escassos, o senhor tinha avisado para os servos, que estava proibido caçar, principalmente os Javalis, que era a caça preferida dos nobres, esta era a principal daquela gente importante. Naquele dia, minha mãe tinha cozinhado a última porção de lentilha, fora restavam ainda dois pães que ficava em um cesto em cima da mesa. Meu pai naqueles dias difíceis, ou como sempre, pois era muito calado, estava muito apreensivo, depois de comermos o resto da panela, olhou para minha mãe, que  abaixou a cabeça ao seu olhar, como quem tinha passado a responsabilidade para ele. Ele se levantou e virou para mim fazendo um gesto com a cabeça para me levantar. — Vamos caçar.
   Ali estava eu, nem acreditava que tinha tomado àquela atitude, o Javali quando me viu tentou parar sua corrida, freando  com suas quatro patas, levantando a poeira da terra seca da floresta, olhou para os lados rapidamente para ver a melhor rota de fuga. Era um animal adulto, com aproximadamente 150 quilos, ou seja, cinco vezes o meu peso, porém contrariando os nossos planos, invés de fugir olhou fixamente para o seu oponente a sua frente, abaixou a cabeça, e agora com minha visão voltando ficar mais nítida, pude ver suas enormes pressas, seus pelos da sua nuca se levantando e a terra sendo jogada para traz por suas patas traseiras, tinha ele tomado a decisão de atacar ao invés de correr em fuga.
   O tempo parecia estar parado, já não ouvia mais o barulho da mata, somente o meu coração batendo, sabia que correr seria inútil, pois era dez vezes mais rápido do que minhas fracas pernas, e parecia que ele também sabia desses detalhes. Olhei para traz dele e não via meu pai, voltei meu lentamente para o meu inimigo, ele abriu a boca como quem tinha tomado a decisão de atacar, segurei firme o pau que estava em minhas mãos, caso fosse usa-lo. Lembrei-me da oração que minha mãe fazia toda noite para os cinco filhos antes de colocar-nos para dormir. Porém nem tempo de lembrar-se da primeira palavra da oração deu antes daquela Besta me atacar, apenas coloquei os braços no rosto e ouvir um grito estarrecedor, quando os tirei rapidamente dos olhos para ver, vi meu pai saltando por cima do animal, com a lança erguida sobre a cabeça saindo do meio da floresta, colando o pobre infeliz ao chão com apenas um golpe de sua lança.
  O relógio agora voltava a rodar, o animal nem gritou, apenas tremia no chão, meu pai em cima dele com um sorriso no rosto, gritou com uma alegria contagiante.
   — Temos o jantar.
   — vamos limpar ele para ficar mais leve. Fez uma fogueira com galhos secos para queimar os pelos, e depois o abriu e retirou a barrigada. Olhou para mim e disse.
   — leve a lança, vou carregar a nossa comida da semana.
   A noite já se anunciava, mais ainda devido a tempestade que se aproximava, pois já podia ouvir os trovões vindo ao longe, a floresta se agitava ainda mais.
  — apure os passos menino, se não vamos pegar chuva.
  Porém meu pai mal podia andar com todo aquele peso nas costas, olhei para as fretas das arvores para  ver quando as nuvens escuras que  nos já nos cobria, quando um clarão seguido por uma explosão se deu a poucos passos de nós, meu pai me empurrou com uma das mãos gritando para correr, um barulho se seguiu de arvores quebrando atrás de nós, um enorme carvalho desabou, fomos empurrados pela força do vento de sua queda. Mais alguns passos pude ver o clarão que vinha de fora da floresta, estávamos em campo aberto, e conseguia ver a fumaça da chaminé da minha casa, os primeiros pingos começavam a cair, o vento era muito forte. O cachorro que estava preso latia como quem chamava minha mãe para ajudar-nos, ela rapidamente abriu a porta, e saiu no terreiro abanado às mãos nos apurando. Os quatro irmãos menores, duas meninas e dois meninos, ficaram na porta apreensivos, porém apesar da torcida, não deu tempo de entrar antes de tomarmos um banho a poucos metros da porta antes de entrar. Minha casa, como maioria dos camponeses, era uma construção grande, tinha duas peças na parte de baixo, uma peça grande a onde ficava o fogão e os utensílios de cozinha junto a porta, no meio da peça tinha uma armação feita de pau em forma triangular, com uma fogueira no centro, pendurado um tacho em cima dela, aonde era feito os cozidos e assados os animais, também nos aquecia no inverno, era espaçosa pois servia também para guardar sementes e fenos para os animais. A segunda era separada por uma parede, era aonde obrigava os animais no inverno, e em cima tinha um estrado aonde ficava as nossas camas, pois no frio o calor dos animais em baixo ajudava nos aquecer. Era feita com madeira roliça, e coberta por capim massapé, que também revestia as paredes laterais, que servia para proteger das temperaturas extremas do inverno ou verão.
   Estávamos todos sentados em volta do fogo, parte do Javali estava assando, o cheiro tomava conta do ambiente, fazia muito tempo que não comia carne, estavam todos ansiosos. A chuva caia ainda forte no lado fora, os trovões e relâmpagos fazia seu espetáculo, quando no meio do barulho do temporal, gritos cortaram a noite, todos ficamos atônicos sem compreender o que estava acontecendo, minha mãe que estava a porta limpando as utensílios que tinha sido usado para preparar a carne, correu junto de nós, meu pai pegou a lança ao lado da porta, com a outra mão preparava para abrir a porta. Levantei-me e posicionei em um lugar que dava vista para porta quando fosse aberta, era tempo de guerra, muitos saqueadores andavam na região, porém agora houve batida na porta, e uma voz no lado de fora gritou.
    — Abra em nome do rei! Abra em nome do rei!
   A porta foi aberta seguida por um forte relâmpago, uma figura de porte grande estava do lado de fora, com o clarão apresentou um cavaleiro com uma armadura que brilhou, estava com um elmo em sua cabeça que cobria todo seu rosto, com apenas uma abertura nos olhos, com a chuva que batia junto com os clarões, parecia uma figura mística, todos ficamos assombrados com a visão. Podia ver o desenho do Golfinho na armadura do cavaleiro, simbolizando que era do reino, a espada embainhada mostrava que estava em paz, porém não entrou de imediato, mais afastou do lado mostrando que com ele tinha pelo menos uns dez juntos, porém todos afastaram dando preferência a um ultimo que tinha uma armadura ainda mais bela, com tons em escarlate, com o desenho do Golfinho em relevo de azul, o seu elmo tinha no alto o contorno de uma coroa, foi o primeiro a entrar, meu pai dobrou um do joelho diante dele, minha mãe que estava sentada nos abraçando, se levantou. Todos entraram, na nossa inocência, ficamos maravilhados mal sabíamos o viria a seguir.
   Como uma peça do destino, o rei abrigava a entrar na casa de um pobre camponês em busca de proteção, algo impensável para um rei em circunstância normal. O cavaleiro que bateu na porta retirou seu elmo, era um homem já de idade, com as marcas das batalhas vividas no rosto, que podiam ser vistas devido as cicatrizes, tomou a frente.
    — Devido ao dilúvio que cai ai fora, vai ter o privilégio de hospedar o rei. — Disse ele.
   —  Vi que tens um estábulo, guarda as cavalos! — Deu a ordem ao meu pai.
  Meu pai saiu no meio da chuva para atender a ordem, o rei retirou o elmo, e passou a olhar ao redor, verificando o local com um olhar de desprezo, porém todo o tempo não deu a palavra, todos retiram os elmos e as capas molhadas e se achegaram junto do fogo. O mesmo cavaleiro que deu a ordem ao meu pai, olhou para minha mãe e disse.
    — Adivinhou que o rei viria, preparando a comida real.
    — Não sabia que nessa época de fome, as caças são proibidas para servos?
   — Ponha o resto ao fogo, todos estão famintos!
   Minha mãe nos puxou em direção a escala, que dava acesso a parte de cima do cômodo dos fundos, onde ficava as camas, subiu as escadas enquanto olhávamos para trás  vendo os cavaleiros atacando o Javali assado, meu pai retornava de fora, olhou para minha mãe dando ordem com a cabeça  para  ela subir também. Nossa mãe nos colocou para dormir, deitava todos juntos em uma cama feita de palha, porém com a fome e as risadas daqueles homens ficava difícil dormir, porém o dia tinha sido cansativo acabei caindo no sono. Acordei no meio da madrugada, a chuva já tinha acabado, as vozes também, a vela feita de sebo ainda estava acessa, indicando que meus pais não estava na cama, da parte da frente  do cômodo de dormir era aberto, ao chegar na beirada podia ter visão do salão, notei que meus pais estavam conversando ao redor do fogo, os visitantes tinham indo embora junto com a chuva, e pior a janta também. Restou apenas os ossos, que minha mãe agora cozinhava no caldeirão que seria nosso jantar na madrugada.
  Há meu nome! Guillaume Cale, naquela noite vi com meus olhos como os camponeses eram humilhados nas suas próprias casas, vinte anos depois pude devolver a decepção daquela noite. A rebelião começou a 28 de Maio de 1358, na aldeia de Saint-Leu-sur-Oise, depois de uma reunião de camponeses. Os ânimos exaltaram-se, a indignação contra a classe nobre subiu de tom. Os homens reuniram as armas que podiam e invadiram a casa do senhor local, assassinaram a família e incendiaram a propriedade. A violência propagou-se às aldeias vizinhas e, dias depois, o motim era generalizado, envolvendo milhares de camponeses em fúria. Finalmente pude devolver a visita ao rei Deifim Carlos V no seu palácio, porém não nos recebeu com um jantar.



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